Miguel Guilherme: "Se me casasse seria pela Igreja"

O actor não diz nunca a nada. Aos 52 anos, Miguel Guilherme está a apreciar projectos pessoais. Descarta a paternidade, mas subir ao altar pode ser um dos papéis em que ainda pode vir a estrear-se. Profissionalmente, avisa que gostava de prescindir da manta, do sofá e do sossego da reforma... Quer trabalhar até que o corpo e a memória o autorizem
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Assinou contrato de exclusividade com a TVI, quer mesmo fazer de galã, como pediu?

Era uma brincadeira... (risos)

E o que gostava muito de fazer?

Há muitas personagens, felizmente, por fazer no teatro, na televisão e no cinema.

Imagina-se a trabalhar como actor até tarde como Eunice Muñoz e Ruy de Carvalho, também com exclusividade na TVI?

Imagino, eles são exemplos lindíssimos. Um actor não tem reforma porque há sempre personagens até ele poder representar, ter memória, poder andar.

Não se imagina enrolado numa mantinha?

Não, mas se tiver de ser... nunca sabemos como o nosso corpo vai corresponder. Quando for mais velho, imagino-me a representar com um ritmo um bocadinho diferente.

Nunca pensou mudar de profissão?

Espero poder fazer sempre isto até acabar. Também não sei fazer outra coisa... (risos)

Nunca teve outro trabalho nem na adolescência?

Só tive um trabalho na vida antes de ser actor, um parttime num laboratório de análises, três horas por dia... De resto, nunca trabalhei na vida até hoje (gargalhadas). Sou actor, pagam-me para isso, o que às vezes me deixa banzado.

Costuma ter os seus familiares a assistir aos seus trabalhos?

Os meus irmãos [Augusto e Raquel], os meus sobrinhos, alguns primos também. Os meus pais já morreram. A minha mãe gostava de tudo o que eu fazia, mesmo que fosse uma grande merda. Não era a melhor das críticas. Já os meus irmãos não, por vezes conversamos. São bons críticos. Eles vão à minha estreia e quando gostam vão segunda vez, ou vão mais tarde, ou levam os filhos, os amigos.

Os sobrinhos querem seguir a sua pegada?

Tenho uma que quer, mas ainda não começou. Já faz imenso teatro amador, mas agora vai tentar entrar no Conservatório.

Ela não teve vontade de começar pelos Morangos com Açúcar?

Não sei, não estou na cabeça dela. Quer dizer, acho um bocado mau porque deve primeiro fazer-se alguma formação, mas não tenho esses preconceitos. Sempre foi assim, de mil escapam três, quatro... Sempre há-de ser. A profissão é cruel sob esse aspecto. Não é necessariamente a pessoa que está fazer mais sucesso no momento que vai ser o melhor. Pode ser, mas ser actor é uma profissão com muitos passos.

Como é que se vão vivendo os dias no trabalho depois de ter perdido António Feio, de quem era colega e amigo?

Não é uma questão de trabalho, é de vida. Enquanto vamos sobrevivendo, vamos perdendo pessoas, todos nós. E quando se vê pessoas a cair, nós habituamo-nos a perder. Isso não quer dizer que não tenha desgosto, mas somos mortais.

Tem saudades dele?

Tenho... Tenho saudades, mas não é uma coisa que me tolha a vida. Mas tenho saudades. Muitas.

O Miguel tenciona ser pai?

Não. Por agora não.

Porquê?

Nunca aconteceu e acho que já não vai acontecer. Quer dizer, nunca se sabe, mas à partida... não é uma coisa que esteja nos meus projectos, nas minhas ambições. Mas não vou dizer não nem nunca...

Quer casar [o actor tem estado ao lado da designer brasileira Marcela Brunken]?

Ah, se casasse era só por graça, se casasse seria pela Igreja, porque sou católico. E mesmo sendo não acredito que esteja em pecado ao viver com uma pessoa sem ser casado. Se calhar posso casar, um dia destes... Estou comprometido, mas não estou casado.

Fez o crisma há poucos anos, o que o levou à religião?

Sim, mas não quero falar de coisas religiosas, porque qualquer dia parece que sou menino de Deus. Não vamos falar disso, já disse tudo o que tinha a dizer sobre religião.

O que herdou da sua mãe e do seu pai?

Da minha mãe acho que herdei o facto de ser muito parecido em termos visuais. Do meu pai não herdei muito, talvez a ideia de que se pode falhar uma vida estupidamente.

Como assim?

Não sei o que meu pai pensava da vida. Ele perdeu muitas oportunidades pessoais e de amizade e isso tornou-me mais vigilante. Não olhava bem para as pessoas, para os amigos e eu acho importante olhar para os que querem estar connosco.

A separação dos seus pais quando era criança condiciona a maneira como olha para a sua vida ao lado de uma companheira?

Não. De maneira nenhuma, pelo menos racionalmente. Há coisas que nos condicionam de forma subconsciente que não percebemos. Se nesse ponto há qualquer coisa, talvez haja, mas não é nada que me tolha viver com outra pessoa. A separação pode ser uma dor, mas depois supera-se. Hoje, se os pais souberem fazer as coisas, as crianças superam perfeitamente. A separação dos meus pai não foi uma tragédia. A minha infância não foi de tragédia, havia antes uma sociedade muito preconceituosa em relação a isso e nós tentávamos esconder...

Que tipo de infância foi então?

Tirando a separação, que foi complicada, tive uma infância muito parecida com a das outras pessoas.

Como era a relação com os seus irmãos na altura?

Era óptima, eu e o meu irmão andávamos sempre juntos. A minha irmã era quatro anos mais nova, era uma menina e não gostava tanto das nossas brincadeiras. Mas depois na adolescência, quando começou a ter amigas giras... ela não queria, mas nós andávamos atrás dela (risos).

Foi namoradeiro na adolescência?

Nem por isso. Tinha amores muito platónicos quando era adolescente. Apaixonava-me perdidamente, não sabia aproximar-me e sofria em silêncio. Depois percebi que assim não valia a pena, que o melhor era andar, andar...

Com que idade descobriu isso?

Para aí aos 26 anos. Até lá sofri imenso. De verdade! Apaixonava-me por uma rapariga, falava com ela, mas era tão tímido que não dava sinais e aquilo bloqueava. Acontecia-me imenso, tive paixões de caixão à cova.

E o que mudou em si aos 26 anos?

É uma idade aproximada. Não sei, libertei-me um bocadinho mais ou talvez tenha começado a ser mais adulto nesse aspecto. Mas não estou a dizer que não tinha namoradas, mas as pessoas por quem me apaixonava...

Quando deu o seu primeiro beijo?

Não me lembro... (pensativo) O meu primeiro beijo a uma rapariga deve ter sido aos 10 anos. Basicamente, éramos seis rapazes, pegámos nela, manietámo-la e beijámo-la todos. Não a violámos. E ela depois deu-nos porrada a seguir (risos).

E fez muitas noitadas?

Em que sentido?

Sair com amigos?

Ai muito, muito. Agora já não tanto, mas ainda gosto de sair à noite, mas menos.

Quando chegou o 25 de Abril, chegou a liberdade, as drogas tornaram-se mais comuns, também experimentou?

Não, pensava muito mais em política. Nunca me meti na droga, só fumava tabaco. No liceu já trabalhava politicamente com coisas simples, distribuía panfletos, mas era complicado. Mas depois com o 25 de Abril foi a liberdade. Se não tivesse vindo a revolução não sei como teria sido.

Imaginava-se na clandestinidade?

Não. Mas para haver clandestinidade tinha de haver pessoas que não eram clandestinas para os ajudar. Mas eu não tinha vocação para a política a esse nível.

O que o fez desistir da política?

Foi a profissão. Mas sempre me interessei por política. Acho que é um dever dos cidadãos fazerem escolhas políticas, apoiarem.

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